terça-feira, 31 de dezembro de 2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Ciao (nem sempre) é...Tchau: Arrivederci, Itália!






                Este é um texto que só deve ser escrito na  hora última, no meio da noite, no silêncio... é um texto mesmo com gostinho de comida requentada, aquele clima de fim de festa...    
             Para mim, essa hora lembra um pouco aquelas cenas de um quadro de Georges de La Tour, quando alguém se vê no quarto, no meio da noite, sozinho contemplando a luz ululante de uma vela. É nesta hora que me ponho a escrever, pensando no tema "o que eu fiz durante aqueles dias?". 




                   VERSURA

               Não me proponho a ir direto à questão, mas degustá-la aos poucos, como alguém que a domina pela rama...
                Sim, eu escrevo este texto quase um ano após a viagem a Itália (os primeiros posts, é claro, foram escritos nos primeiros momentos após o retorno, quando tudo ainda estava vivo na memória). Durante o tempo de escrita e desenvolvimento deste conjunto de posts que relatam minha viagem à Italia em setembro de 2012,  eu fui levado pelo sabor das imagens e lembranças, como quem anda ao léu, com as mãos nos bolsos. Eu visitei e revistei a Itália em minha imaginação...fui quase levado à distorcê-la para que o turbilhão de emoções e sensações que eu vivi lá, naqueles dias felizes, pudesse ser exprimida em palavras...
                Se eu escrevo tardiamente este post de despedida, não é porque me faltou fôlego ou imaginação – é como se ao prolongar minhas lembranças e tentar passar tudo no papel, em sucessivos momentos de escrita, eu quisesse prolongar eternamente um momento... Mas se eu não me despedisse desse instante, cairia numa recapituação absoluta do mesmo instante sobre si mesmo – como Issião no Hades, que faz girar a roda para todo o sempre, ou as Danaides que carregam inutilmente aquele vaso furado. É preciso ultrapassar esse instante...



                Chego enfim, neste momento, naquele ponto que os romanos chamavam de versura – é quando o arado dá uma volta sobre si mesmo e deixa um sulco na terra ... e neste instante, por um átimo, um segundo, é possível contemplar o próprio rastro... O post de despedida é, portanto, um momento em que eu posso dar meu último olhar sobre o caminho trilhado..antes de seguir em frente...




                Neste último post, vou resumir brevemente os lugares em que eu estive na Itália. Se você chegou neste post, por acaso, eu o convido a ler inteiramente a narrativa, desde o post inicial... que é um percurso que tenta mesmo que de forma articificial, seguir uma certa “ordem cronológica”...
                Vou falar brevemente de cada parte e do que mais me chamou a atenção em cada uma delas....

    MILÃO

                Nos primeiros dias eu conheci Milão... Uma cidade linda, com seu charme discreto. No centro, o Duomo, uma floresta de mármore, branquinha, de onde tudo flui... Milão é a capital da moda, dos carros esportivos, lugar de gente milionária que se pode dar ao luxo de sair com sacolas da Prada ou Dolce&Gabana como se carregasse uma sacolinha do Mercadorama com meio quilo de carne moída... 
          Mas não se engana quem acha que Milão é uma coisa de outro mundo, uma bolha em si...ela tem um charme todo especial: por exemplo, no final da tarde os barzinhos se enchem de gente jovem e bonita, cheia de alegria, pelos bairros mais famosos como Brera e perto dos canais Navigli... 
        Milão também possui o Parco Sempione, uma lindíssima área verde bem no centro da cidade...andando por Milão é possível tomar um drink bem típico – o negrone – ou saborear o magnífico panzeroti. E no começinho da noite, você pode se surpreender como eu – de repente, uma banda começa a tocar no meio da rua . E ao cair da noite, Milão nos cobre com uma chuvinha fina...deliciosa, que cai elegantemente e enche a janela com gotículas ... e você ouve a chuvinha, enquanto o bonde passa na rua ao lado...maravilhoso.

Parco Sempione - Milão
Parco Sempione - Milão


Via Dante - Milão (ao fundo o Castelo Sforzesco)




VENEZA
                Veneza é coisa de outro mundo e bem ou mal, ou você ama ou odeia. Ela divide opiniões. De minha parte, Veneza foi uma cidade cheia de surpresas, uma das que eu mais gostei (se é que se pode escolher). Por mais que você olhe Veneza em vídeos e imagens, é impossível descrever oque você sente ao ver aquelas gôndolas, taxis aquáticos, motoscafos e outras gerinconças aquáticas andando por ai...é um mundo surreal. De repente, no meio da noite, você para num canalzinho e fica olhando o luar...Veneza é uma cidade com um clima feérico. Uma cidade para você soltar as rédeas e ir ziguezagueando entre as calles (ruazinhas que sequer passam uma pessoa) e canais... Isso sem contar na beleza e efervescência do Grande Canal que corta a cidade em S como se fosse uma avenida ... além do clima inigualável que encontramos na região do Rialto.. E se isso é pouco, que tal ficar maravilhado com a Piazza San Marco... Veneza é tudo que imaginamos, e muito mais..

Ponte degli Scalzi - Veneza
Veneza - próximo da Piazza di San Marco



Grande Canal - Veneza








                     FLORENÇA

                E depois, eu conheci a Toscana. Uma das regiões mais belas da Itália, cheia de encostas forradas de parreiras e cipestre – e do trem, você avista aqui e ali, uma casinha campestre – uma mais linda que a outra, um sonho...  Suas cidades medievais como Pisa, Lucca e San Gimingnano nos dão um sabor especial, pois preservam quase intactas as construções e as muralhas da Idade Média –se você gosta do estilo românico – esse é o lugar. Mas o que mais enche os olhos é a sua capital, Florença – berço da cultura renascentista. 
         Que tal visitar e ver de pertinho a imensa estátua de David de Michelângelo; a casa onde viveu Dante, e O nascimento de Venus de Botticelli na Galeria Uffizi? Você pode ver tudo isso em pouquíssimo tempo, pois a cidade é pequena e agradável. Isso sem contar as belíssimas construções como o Giardino Boboli, a cripta dos Medici e é claro, o Duomo.

Florença
Lucca Muralhas



Lucca - Toscana



Piazza del Campo - Siena
Palio di Siena - fotografia de uma vitrine
Piazza dei Miracole - Pisa


Torre de Pisa


            NÁPOLES

Depois de tudo, veio o Caos. Nápoles é a cidade mais suja, barulhenta, desorganizada e tudo que você puder imaginar. Ela realmente tem partes feias, abandonadas. Mas quem leu os meus posts sobre Nápoles sabe que eu gosto muito dela..na verdade, fiquei apaixonado. Isso porque o povo napolitano é simpaticísssimo e lembra muito o povo brasileiro. Por lá você não tem tempo feio ...eles te recebem de coração aberto, e com uma simplicidade incrível.  
Ah como é gostoso ouvir a risada de um napolitano em pleno mercado de pignaseca, ou percorrer os labirintos de ruazinhas do centro histórico. Ou mesmo reservar um dia para visitar os subterrâneos  que preservam escondidos uma cidade inteira...E pra quem gosta, pertinho pertinho, está a cidade de Pompéia..que você pode visitar em uma manhã, saindo bem cedinho de Nápoles. A baía de Nápoles é linda. De lá você consegue ver o Vesúvio.. Mas ao cair da noite, tome um pouquinho de cuidado. Nápoles é uma cidade relativamente perigosa para os padrões europeus. Mas a efervescência das ruas, a cultura, o seu modo de vida peculiar, faz uma visita dessas valer a pena.

Nápoles - Quartieri Spagnoli



Nápoles - L´Antica Pizzeria Da Michele


ROMA



Enfim, Roma, que é um pouco de tudo isso e que tem ao mesmo tempo, um dom muito especial Roma é como uma senhora de personalidade forte...é como aquela senhora idosa que te puxa a orelha mas mesmo assim você gosta dela. No começo, Roma me trouxe certa estranheza...pois eu cheguei lá logo após alguns dias de viagem bucólica pela Toscana, com paisagens lindas, tudo regado ao delicioso vinho chianti. E chegar em Roma, na região do Termini é um choque..aquela balbúrdia, aquela confusão e..ao contrário de outras cidadezinhas, lá ninguém sabe te informar onde está a rua do hotel, mesmo que esteja a poucos metros de onde você está (alguma semelhança com Curitiba, minha cidade, é pouca...). Mas depois que você pega o jeito, vai embora..
.E nossa, a primeira vez que você vê as coisas é incrível..."caraca, aqui é Fontana de Trevi, o Coliseu, a escadaria da Piazza di Spagna"... Roma é incrível, te deixa boquiaberto..nem tem palavras. O melhor ainda é que Roma tem muitas coisas que podem ser vistas no interior de uma igrejinha ou mesmo numa praça...coisas como a Fontana dei Quattro Fiume de Bernini, a estátua de Moisés, ou as inúmeras fontes que são verdadeiras obras de arte por exemplo, que estão muito acessíveis..e a própria Piazza di San Pietro, cheia de detalhes está lá, a  céu aberto. Roma, é um museu ao ar livre...o que a torna muito mais saborosa de se visitar.

Roma é uma dessas cidades que você tem muita coisa pra fazer, muita mesma, e se você perde algo, não tem como ficar esperando (por exemplo, o dia que eu tinha planejado para conhecer a famosa Cinecittà, estava tudo em greve..não deu). No fim, depois de conhecer muito Roma, você pode se deliciar com visões panorâmicas como na cúpula da Basílica di San Pietro, ou no Giardino dei Aranci.
 O que mais lembro de Roma eram aqueles dias ensolarados de céu aberto, parecia que o céu não tinha fim....

Roma- Piazza di Spagna


Fontana di Trevi - Roma
Roma - Piazza Navona


Roma - Castelo Sant´Angelo

Campo di Fiori - Roma
Vista do alto da Basilica di San Pietro

No fim , acho que cada parte da Itália tem um colorido especial, cada cidade porque passei tem uma personalidade própria, lembro-me de cada uma com um carinho especial....


GRAZIE...

Em nenhum outro lugar, talvez, você ouve tanto a palavra Obrigado (Grazie) quanto na Itália...Tanto que acho que é uma das primeiras palavras que você incorpora no seu vocabulário, quando está por lá...Grazie. Este tom tão cordial, é uma marca típica do italiano...o povo italiano é muito informal e adora bater um papinho..não existem regras de cortesia, formas de polidez antes de se começar a conversar com alguém, a palavra simplesmente vai fluindo, você se sente em casa...
Pensando bem, se eu pudesse exprimir tudo que eu sinto, após essa viagem, o que vem na minha memória é uma das palavras que eu mais usei por lá: Grazie, Itália! Obrigado por tudo...

ARRIVERDERCI...

 Chegando no final de uma jornada, só penso numa uma palavra - e ela é tão doce que parece uma promessa: Arrivederci
Eu me lembro que a palavra que mais me incomodava pela sua sonoridade era o Ciao, eu me sentia totalmente deslocado ouvindo um belo ciao já na entrada de um estabelecimento ou ao ser atendido numa barraquinha...Pois ao contrário da palavra arriverderci, o ciao pode ser falado tanto na chegada quanto na despedida...significando tanto um "olá" como um "até logo". Ou seja, quando eles falam ciao na chegada, fudeu, embaralha tudo...pra nós que não estamos acostumados.

       Não tem como, você demora para se tocar que eles não estão falando Tchau, o som é o mesmo, apesar do uso distinto que os italianos fazem! Mas na Itália, Ciao não é Tchau...ou nem sempre.
Brincando um pouco com a sonoridade das palavras, sou mesmo tentado a pensar que a Itália transmite tanta cordialidade, que até a palavra de despedida é doce... Arrivederci sai da nossa boca como se fosse um algododão doce, flutuamos....
Sim, nem dá pra ficar triste de ir embora, seria injusto, a Itália, que me deu tanta felicidade, merece um sorriso no rosto, quando vamos embora, e apagamos as luzes.... 




            QUANDO A LUZ SE APAGA...


         Ah..aqueles últimos instantes, aquele aperto no coração...aquela saudade mesmo antes de ir embora..quem nunca sentiu isso, nos últimos minutos de uma viagem? 

         De repente, tinha acabado, estava acabando...malas feitas.
Primeiro, ir até o Termini e pegar o Leonardo Express que te leva direto para Fiumicino....











Check-in feito...não tem mais jeito, agora é hora de ir embora...preparar o coração, pra voltar.....



Não sei, parece que aqueles poucos dias, mudam a gente pra sempre, quando voltamos, nunca mais vai ser a mesma coisa...Parece que enquanto aguardamos o vôo de volta, um filme passa em nossa cabeça...um turbilhão de emoções.



Ah...aqueles passos finais, a caminho do avião....que tristeza, que vontade de dar meia volta e sair correndo....



   E quando o avião começou a subir...eu via Roma ali, toda estrelada, iluminada...imensa... 



Então encerro aqui meu último post sobre a Itália e com isso, fecho essa narrativa...esse ciclo.


Que o final de uma viagem seja apenas o início de outra, nada mais...Quando terminamos uma viagem, pensamos assim "pronto, não ha mais nada pra ver, já fiz tudo". Mas na verdade não é assim, a viagem nunca termina..ela só nos leva cada vez pra mais longe..., quando vemos algo durante o dia, queremos ver a noite, queremos ver no inverno o que vimos no verão, queremos sentir um gosto, uma cor, uma corrente de ar...a viagem recomeça, sempre...abrindo-se para novos devires.

Que venham outras viagens...





domingo, 23 de dezembro de 2012

Onde estão os cadeados da Ponte Milvio?

   Você consegue imaginar uma cena que pode exprimir O que é o Amor? 
Se você me pegasse de surpresa eu poderia, eu lembraria de duas ou três cenas. Talvez para você as referências podem ser outras, talvez você tenha outras listinhas... mas eu me lembraria de algumas imagens como

O quadro de Francesco Hayez, O Beijo, que eu vi na Pinacoteca de Brera....





Aquele quadro de Klimt...




Ou quem sabe (é o meu preferido, confesso), aquela foto de Doisneau, "Le baiser de l´ Hotel de Ville)



Quando eu vejo estas cenas, me ponho a pensar sobre as histórias de vida, passadas e futuras, histórias unidas ou separadas, pelo amor....

Em minha vida tive a oportunidade de ver isso de perto. Um lugar mágico, que tem sua significância pelas histórias de amor vividas e juradas ali, às margens do Rio Tibre, numa ponte distante do centro...onde casais vão para lá, colocar um cadeado para juramentar seu sentimento. O amor deve ser solene quando o momento pede...

 E foi assim que eu fui lá, no meu último dia em Roma, visitar a famosa Ponte Milvio, cujo relato vou fazer neste que é um dos meus últimos post sobre a viagem para a Itália.




OS ROMANOS E A PONTE MILVIO



    A Ponte Milvio é uma das das dezenas de pontes que cortam o Rio Tibre...Ela é uma das mais antigas, e também uma das mais importantes. Na época dos romanos, esta ponte servia de passagem para o norte....por ali passava a famosa Via Flaminia, que levava os romanos até  a Gália, Lutèce, etc...quando se chegava na Ponte Milvio, sabia-se que estavam na zona limítrofe da cidade....

  

    A Ponte Milvio também foi palco de uma batalha legendária. Foi para comemorar a Batalha da Ponte Milvio (outubro de 312 d.C) que os romanos construíram aquele imenso Arco do Triunfo ao lado do Coliseu...Essa batalha marcou o declínio da Tetrarquia e a ascensão de Constantino ao poder...mas não é este o foco deste post, né?

  
    Para um historiador  como eu, mesmo que História Antiga não seja a “minha praia”, já era motivo suficiente para querer conhecer este lugar....

   

LUCCHETTI DELL´AMORE:  A PONTE DOS "CADEADOS DO AMOR"

    Mas não é por isso que esta ponte é conhecida hoje em dia. Não é todo mundo que tem gosto por História...É por outro motivo que as pessoas se dirigem para lá...





     Tudo parece ter começado com um costume antiquíssimo... Dizem que antigamente, os jovens, quando completavam o serviço militar, iam até a Ponte Milvio colocar o  cadeado do seu armário no lampião da ponte...e jogavam fora a chave nas águas do Rio Tibre, era um sinal de que havia cumprido um ciclo da vida...sinal de tarefa cumprida... o jovem, ao completar o serviço militar, jogava fora as chaves do cadeado, querendo simbolizar a emancipação, “agora vou tocar a vida pra frente”, certamente eles pensavam isso...




   Mas, de certa forma, esta antiga tradição juvenil foi suplantada por uma outra “mitologia”, a dos casais românticos que vão até a Ponte Milvio, colocam o cadeado no lampeão, como uma maneira de eternizar o seu compromisso, o seu amor...








   Dizem que se o cadeado estiver lá, firme e forte, o amor dos jovens apaixonados nunca terminará, será eterno...







   HO VOGLIA DI TE....
     

   A Ponte Milvio esteve comigo em pensamento durante muito tempo. Há dois anos, quando eu estive em Paris, vi uma tradição parecida...os casais apaixonados deixam cadeados na Pont des Arts...e há lugares assim em vários lugares do mundo...várias pontezinhas, vários cadeados, várias histórias de amor...



   Mas se a Ponte Milvio é a mais conhecida delas, é porque muita gente conheceu essa tradição, que se popularizou no livro de  Frederico Moccia, Ho Voglia di Te (Eu te Quero), em que há uma  cena emblemática em que o casal protagonista colocam um cadeado no terceiro lampião do lado norte da ponte, para selar o seu compromisso... (na verdade Ho Voglia di Te é continuação de uma história que começa em Tre Metri Sopra il Cielo [Três Metros acima do Céu] mas não, eu não vou ficar falando disso aqui...)







    O livro virou um filme em 2006...e muitos casais começaram a imitar o gesto popularizado pela cena de Ho Voglia di Te...











   O costume certamente não começou com o livro e o filme, mas Ho Voglia di Te popularizou um antigo costume dos jovens romanos...o dos cadeados na Ponte Milvio.. Todo mundo começou a pirar o cabeção...



  Tanto que finalmente aconteceu o que todo mundo temia...


  "CORAÇÃO PELUDO"...A RETIRADA DOS CADEADOS DA PONTE MILVIO...

   Depois de vários anos, com o afluxo de casais para aquela ponte, e a popularização do costume dos cadeados...os lampeões começaram a se sobrecarregar...Logo, não era mais apenas o terceiro lampião do lado norte que estava cheio deles, toda a ponte estava repleta de cadeados...E não tardou que um deles não aguentasse o peso e caísse!!

  A prefeitura então começou a retirar os cadeados da Ponte Milvio...Lá se vai o sonho de que os cadeados ficariam ali para sempre!!!  (Sim, os casais apaixonados são perfeitamente idiotas para acreditar que os cadeados ficariam ali eternamente)...


A prefeitura ainda tentou algumas soluções para não sobrecarregar os lampiões da Ponte Milvio, por exemplo, colocando varais com correntes ao longo do trajeto... 




Esses varais também ficavam carregados de cadeados, e de vez em quando eles eram trocados...os cadeados é claro, acabavam fundidos e vendidos (da mesma forma que as moedinhas que os turistas jogam na Fontana de Trevi),  gerando uma certa receita para a cidade...

  Mas isso também começou a se tornar ploblemático porque dizem que com o tempo a corrosão dos cadeados tem danificado seriamente a estrutura desta ponte histórica..aí fudeu tudo! 

   Então, exatamente alguns dias antes da minha viagem, eles resolveram retirar vários cadeados que estavam ali, "danificando a ponte"..após uma intensa batalha...parece que tudo caiu para o lado do mais fraco....os cadeados finalmente foram retirados de lá...

   Fazer o que, me ferrei, cheguei lá na hora errada... (assim como aconteceu com a minha visita ao Cinecittà - outra decepção - que eu encontrei vazia, em meio à uma greve dos operadores). 


   Eu cheguei na Itália em meio à uma polêmica entre prós e contras aos "cadeados do amor"...


   O prefeito de Roma em pessoa foi lá conferir a retirada dos cadeados...o pessoal ficou inconformado...O próprio autor do livro Ho Voglia di Te, Frederico Moccia colocou-se em defesa dos pombinhos apaixonados, dizendo que aquilo não tinha nada haver, que Roma tinha problemas gravíssimos como monumentos depredados e pichações pela cidade, etc. Não adiantou...







   Mas, é claro, mesmo que os cadeados sejam retirados, eles não tardarão  a aparecer por ali novamente...e logo logo, eu espero, quando menos se imagina...a ponte estará novamente abarrotada de penduricalhos e seus recadinhos amorosos...é o que eu desejo do mais fundo do meu coração...


    Mas não se desespere...apesar de todo o bafafá, ainda é possível um Plano B..
   Por exemplo, você pode colocar um "cadeado virtual" na Ponte Milvio, neste site: http://www.lucchettipontemilvio.com/ (claro que não tem a mesma magia né?) 

   No momento em que eu escrevo este post há uma grande pressão em cima da ponte, os casais que forem pegos colocando as lucchetti dell´ amore podem ser multados..a coisa anda feia, as autoridades de Roma têm o "coração peludo"...




...e parece que de alguma forma, os cadeados estão migrando para outras regiões da cidade...Quando eu estive em Roma eu vi alguns cadeados num canto da Isola Tiberina e muita gente está dizendo que eles começaram a aparecer também numa esquina perto da Fontana de Trevi...



   Eles podem interditar o local, mas não o coração das pessoas..hehehe...


  A PONTE MAIS ROMÂNTICA DO MUNDO (MAS NÃO PELA MANHÃ...)

    Mas como a Ponte Milvio é um pouco afastada da zona mais turística de Roma, é mais provável que pouca gente vá para lá. Seu "público alvo" são principalmente os casais de innamorati...e eventualmente, algum historiador maluco como eu...Mas o "turista comum", esse não está ali, está bem longe...afinal, a Ponte Milvio está onde antigamente terminava a cidade...para chegar lá, pelo menos uns 45 minutos de caminhada de ida, e outra de volta...

    Com certeza, ela é uma ponte belíssima, e as águas do Rio Tibre são muito vistosas naquela parte da cidade...elas vem com volume, o rio fica muito bonito, depois que ele passa da região da Piazza di Spagna e vai parar ali no norte da cidade, volumoso, imponente..são sobre aquelas águas meio esverdeadas  sob um céu nublado que eu encontrei a famosa Ponte Milvio...



   Para se chegar na Ponte Milvio, é preciso andar uma boa parte do trajeto a pé...Descendo na Piazza del Popolo, na extremidade norte da praça, em frente ao portão, começa a legendária estrada romana imperial, a Via Flamínia, ela ainda é conservada hoje em dia, apesar de que em nada lembra que aquilo era uma estrada antiga....mas o traçado reto ainda está lá...



  Eu percorri todo esse trajeto embaixo de chuva...Era meu último dia em Roma, e eu ainda queria ver a Ponte Milvio antes de ir embora...







  Mas chegando lá, eu percebi rapidamente que a Ponte estava muito diferente de como eu a imaginava...








   
   Eu imaginava um lugar cheio de cadeados, repleto de casaizinhos românticos, gente declarando poemas, manifestações desarrazoadas de paixão... 

    Não, sei, de alguma forma eu esperava nada menos do que um casal se beijando à la Doisneau e a sua famosíssima foto  le Baiser de l´Hotel de Ville...



 Mas o que eu encontrei foi uma ponte “normal”, com pessoas atravessando rapidamente a ponte, com o rosto sonolento e fechado, à caminho do trabalho a passos largos...





   Ainda por cima, o clima em nada ajudava. Era uma manhã feia, nublada, o vento cortava o rosto com respingos de chuva...tudo parecia silencioso e melancólico naquela parte mais ao norte de Roma, fora da agitação dos turistas...









    Se eu estivesse naquela mesma hora, na Fontana de Trevi, por exemplo, nem iria perceber, se eu estivesse cercado de gente, nem ia notar nada, não ficaria tão evidente..

    Mas àquela hora ,sozinho,  umas 9 horas da manhã de um dia de semana, a Ponte Milvio me pareceu tristemente solitária...lá não havia nenhum casal apaixonado, não...só a chuvinha gelada, e a ponte vazia....


 CADÊ OS CADEADOS?

    E o pior sabe o que foi? Os cadeados? Mas onde diabos estão os cadeados? Eu imaginava uma ponte repleta de cadeados, até ficar toda abarrotada, cheia de varais, ou com o peso dos cadeados vergando os lampeões. Mas não..



   Eu tive o azar de aparecer por lá, exatamente depois que a prefeitura fez uma dessas “limpas” e retirou tudo de lá..a ponte estava lisinha, sem os famosos cadeados...nãaaaaao, não pode ser!!!



   A Ponte Milvio, por um instante, sem aqueles cadeados, me pareceu meio “pelada”, desprovida de charme...somente uma ponte antiga e velha, de onde se sussurram histórias perdidas...


    Cadeados mesmo, você só via aqui e ali, no detalhe....era precisa prestar bem atenção para achar um cadeadozinho por ali...



     Não, os misteriosos cadeados da Ponte Milvio não estavam lá. E por mais que eu soubesse que de vez em quando eles limpam tudo, que logo os cadeados iriam brotar novamente ao longo da ponte, não deixou de ser um pouco esquisito (e decepcionante, é verdade) ver aquela ponte assim, com um cadeadozinho aqui, outro ali, tudo muito muchocho... (até em cima da Ponte Vecchio em Florença eu vi mais cadeados que na célebre Ponte Milvio)...Por um momento eu pensei comigo..: "Será que estou no lugar certo? Será que o amor dos casais morreu e ninguém mais coloca cadeados ali?"

    Se você não presta atenção nos lampiões, nem repararia que lá no alto, tem uns cadeadozinhos....Mas mesmo assim, é bem diferente daqueles lampiões abarrotados de correntes e cadeados que eu já havia visto em fotos..






    Mas, tirando o susto e a decepção inicial, eu me pus a andar pela ponte...olhar os grafitis espalhados pela ponte inteira. Subitamente comecei a mudar a expressão fechada..

  Aos poucos, você começa a ler os recadinhos, promessas de amor, coraçãozinhos, nomes...percebe quantas vidas não estão ali, quantas histórias, quantas histórias felizes que deram certo ou tornaram-se em decepção, mas assim é a vida, não é? Ás vezes dá certo, às vezes não...quem sabe o que aconteceu?

  Eu queria saber no que deu, cada pedaçinho de biografia amorosa, cada fragmento de uma história de vida, que eu encontrei ali...






    Tudo está registrado ali, cada pichacaçãozinha, cada grafitti, cada declaração de amor, faz parte de um momento ínfimo de uma história de um casal...de duas pessoas que se amam. É emocionante percorrer toda a ponte, e ir vendo e admirando aqueles graffitis, já meio apagados, um pequeno compêndio de Histórias de Amor, presentes, passadas e ainda por vir... Foi assim que eu percebi, mesmo naquele dia frio, melancólico, chuvoso; mesmo que aquela ponte esteja vazia, sem nenhum casalzinho romântico (seria estranho que isso acontecesse às 9 horas da manhã?), aquela ainda era, a ponte mais romântica do mundo...


    Naquele instante, parado em cima da Ponte Milvio, com o vento gelado na face, eu fui acometido por um pensamento: se a Ponte Milvio nos emociona, mesmo no dia mais feio e cinzento, mesmo que ela esteja praticamente "pelada" de cadeados, é porque ela é algo muito importante na vida de duas pessoas que se dispuseram a ir até o cú do caralho para jurar o seu amor...Se a Ponte Milvio é a mais romântica de todas é porque ela já assistiu a diversas juras e declarações de amor, naquele momento mais sincero de todos: é aquela hora que alguém agradece a outra pessoa, por entrar em sua vida e fazer parte dela...



   Não tem como explicar, mas assim como lugares lúbugres contém uma carga negativa, a Ponte Milvio também é assim, capaz de emanar luz e confiança e bons sentimentos até nos dias mais fechados e cinzentos.. A Ponte Milvio é um desses lugares especiais...até quem não está apaixonado(a) vai lá dar uma bizóiada...


   Não pude deixar de pensar em como seria aquele lugar no finalzinho da tarde, num dia quente e ensolarado..muito antes daqueles homens, com seus corações empedernidos,   sem compaixão, sem amor no corção, com seus alicates e suas ferramentas, levarem tudo para longe dali....

Ah, ai sim haveria casais apaixonados, cadeados sendo colocados, e o clic dos cadeados ressoando às margens do Rio Tibre..  uma cena linda de se ver...



   Quase na hora de ir embora, um casal, já não tão jovem (acima dos 30 supostamente) apareceu por lá..eles pareceram não ligar pra nada ao seu redor...e por um átimo, eu consegui vislumbrar o que esta ponte representa para pessoas apaixonadas...

   Tudo estava feio ali, nublado,...mas era só olhar para eles que a felicidade estava estampada em seus rostos... Seria aquele momento poético, como na música da Deolinda em que um simples olhar enche o mundo de esperança e faz tudo ficar bonito. Diz ela,  "de um esgoto empestado saiu perfumado, um rio de nenúfares em flor..."






    Mas ali, naquele dia, nada haver...Parecia tudo tão desencaixado, fora dos eixos, fora do lugar...era melhor eu ir embora.

  Foi um momento com sentimentos conflitantes. A decepção de ver a suposta ponte mais romântica do mundo no meio de um frio de rachar e uma chuvinha gelada, sem casal nenhum, sem cadeados...misturada com o desejo de ficar ali em Roma por mais um tempo...Ali, um pouco triste, eu me despedi de Roma...



    Nos meus últimos instantes em Roma, na última manhã, eu fui conhecer a Ponte Milvio, e ela era muito diferente do que eu pensava, naquele dia, naquele momento, nada havia de romântico naquele lugar...Mas Roma foi assim, quando eu cheguei lá, ela me recebeu com um Céu Azulzinho Infinito...e dias quentes e maravilhosas. Mas nunca subestime Roma, ela é uma velha senhora de temperamente forte. 
    Logo no último dia, quando eu já estava triste por ir embora, Roma me brindou com um aguaceiro e uma chuva do caralho...não foi nada elegante minha despedida de Roma, estava chovendo, estava frio, mas mesmo assim, nem por isso eu gosto menos de Roma...Arrivederci, Roma! Minha viagem (e meus posts sobre a Itália) estão chegando ao fim.