quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Occhiacci di legno: Pinocchio








        OLHOS DE MADEIRA

      Um dia um marceneiro chamado Mestre Antonio, conhecido como "Cereja", encontrou um pedaço de pau. Não era uma madeira nobre, mas desses gravetos que se colocam na estufa para mais tarde aquecer a lareira nos dias de frio. Cereja pensou que aquele pedaço de pau daria um ótimo pé-de-mesa e logo pegou um machado para corta-lo. Mas ao cair a primeira machadada, aquele pequeno pedaço de pau gritou Ai!. Vocês sabem, aquele era um pedaço de pau diferente, que chorava e ria como um garotinho...


      Cereja tinha um amigo chamado Gepeto, um marceneiro que queria criar um boneco de madeira que soubesse "esgrimir, dançar e dar saltos mortais". Gepeto foi à casa de Cereja, seu amigo, para pedir-lhe um pedaço de madeira. Mas Gepeto tinha uma fraqueza, não podia ser chamado de Polentinha (que era como os garotos da rua o chamavam, devido a sua peruca amarelada).  Gepeto tinha acabado de contar os seus planos, quando ouve uma vozinha fininha dizendo “muito bem, Polentinha”. Então, intrigado ele pergunta ao seu amigo: “Por que me ofendes desse jeito?”..e o pau come solto, mas no fim Cereja e Gepeto resolvem fazer as pazes e nunca mais brigarem.

     Gepeto leva o seu pedaço de madeira e logo começa a trabalhar. Tinha uma casa pobre, pobre. Numa parede havia uma lareira pintada, e perto do fogo, havia uma panela também pintada. “Que nome vou lhe dar?” – pensou. Já sei, vou lhe chamar de Pinocchio, esse nome vai dar sorte!!!
Assim, logo pôs se a trabalhar. Fez os cabelos, o rosto, a testa e os olhos.
Mas ao observar aqueles grandes olhos de madeira, percebeu que eles o fitavam obstinadamente e o acompanhava enquanto se movia pelo quarto. Quase ressentido com o estranho olhar que o acompanhava, fixo nele, Gepeto pergunta: “Grandes olhos de madeira, porque me olham desse jeito?” (Occhiacci di legno, perché mi guardate?)  Ninguém respondeu....


    Misteriosamente o nariz do boneco não parava de crescer. Por mais que Gepeto o aparasse, ele voltava a crescer...


AS PRIMEIRAS TRAVESSURAS DE PINOCCHIO

    Mas o boneco maravilhoso construído por Gepeto não só sabia dançar, esgrimir e dar saltos mortais...ele era maluquinho..Mal Gepeto encaixou-lhe os pés e ele saiu pulando...


Rapidamente o bonequinho Pinocchio ganhou a rua, e aprontou a maior confusão....


Ele aprontou uma baderna tão grande que um guarda que estava ali, posicionou-se no meio da rua, pensando que o barulho havia sido causado por um animal selvagem solto..

Quando Pinocchio quis passar no meio das pernas do policial, este lhe pegou pelo nariz....


As pessoas que se aglomeravam para ver o tumulto começaram a sentir pena do bonequinho: "Coitado do bonequinho, Gepeto vai quebrá-lo em picadinhos"...


Pinocchio fez uma baderna tão grande na rua, que o policial acabou levando Gepeto preso, e deixou o boneco em liberdade. 

O GRILO FALANTE

Chegando em casa, ele ouviu um barulhinho esquisito em seu quarto: cri-cri cri-ci.
Era um grilo falante. Esse grilo que era esperto, falou assim: "Eu não vou embora antes de falar uma verdade"...E a mensagem que ele dá ao boneco travesso é o seguinte: "ai daqueles meninos que não respeitam os pais, que os abandonam...eles irão se arrepender amargamente"....O grilo basicamente fala: se você não obedecer aos pais, ir para escola, ou você vai parar na cadeia ou num hospital, vai virar um bandido!!
Pinocchio ficou ali resmungando: eu não vou para escola, eu só quero saber de correr atrás das borboletas, subir nas árvores...comer, dormir, beber, levar uma vida de vagabundo! é isso que eu quero!

Mas o grilo que era sábio falou: pobre tolo, você é um moleque, e "tem a cabeça de madeira!"
Pinocchio, que tinha coração de um menino peralta, ficou nervosinho, com a reprimenda de um grilo falante, que tinha mais sabedoria sobre o mundo do que ele.

Esqueça qualquer desenho do Pinocchio que você viu na Sessão da Tarde..na estória de Carlo Collodi, o boneco joga uma martelada na parede e esmaga o pobre grilo falante...o grilo fica ali, grudado, escorrendo pela parede...






EM BUSCA DE ALIMENTO

Só que Pinocchio começou a passar fome, percebeu que não tinha comido nada durante o dia todo. Ele achou um ovo, mas assim que foi fazer um omelete com o mesmo, pulou lá de dentro um pintinho e disse "obrigado por me ajudar a romper a casca" E saiu voando e fugiu da vista...

Incapaz de arranjar comida, Pinocchio foi até o vilarejo vizinho, pedir um pedaçõ de pão.   Mas o vilarejo estava vazio, tudo fechado, nenhuma alma viva na rua..
Bateu numa porta, e ouviu a voz de um velho de outro lado. O velho disse, espere um pouco e estenda o seu chapéu.. pensando que era um daqueles moleques que faziam algazarra, jogou um balde de água fria em Pinocchio..



Pinocchio então voltou para casa, no meio da chuva, com os pés cheios de lama...e o estômago roncando...



PÉS NO BRASEIRO

Chegando em casa, todo sujo, com os pés molhados, colocou os pés em cima de um braseiro para esquentá-los e secá-los. Era um inverno terrível, chovia, fazia muito frio, o vento fustigante. Pinocchio deitou com os pés sobre o braseiro, e acabou adormecendo.

Enquanto dormia com os seus pés, que eram de madeira, o fogo do braseiro foi consumindo...queimando, até que os seus pés viraram cinzas...

De manhã cedo ouviu a voz de Gepeto chamado...mas ao tentar tirar o ferrolho da porta, caiu com os joelhos no chão!! E percebeu que o fogo tinha consumido os seus pés durante a noite, enquanto dormia com eles sobre o braseiro...Ai de mim, terei que andar de joelhos pro resto da vida, choramingava o boneco.

Gepeto, que ao ouvir os resmungos de Pinocchio, e pensando que era mais uma de suas travessuras, resolveu pular a janela. E encontrou o pobre boneco ali, choramingando, com os pés consumidos e em cinzas...







NÃO SE SABE O DIA DE AMANHÃ...


Então Pinocchio conta um tanto afoito como tinha sido a sua aventura durante a noite, em busca de comida: sobre o grilo falante que ele matou com uma martelada na parede  e de como achou o ovo, e pensando ser um omelete na verdade acabou encontrando um pintinho, depois o velho do vilarejo que o cobriu de água...

Então o velho Gepeto encheou os olhos de lágrimas, e abraçou o boneco. e lhe fez mil carícias, com as lágrimas rolando pelo rosto. Gepeto, que com toda aquela conversa atrapalhada, só entendeu que o garoto sentia fome, tirou três peras do seu casaco, que ele tinha guardado para ser o seu almoço.

Pinocchio no entanto, resmungou: queria que Gepeto descascasse as peras, pois não gostava das cascas. Mas Gepeto falou: neste mundo, desde cedo é preciso ter boa boca, e aproveitar o que tem, pois não se sabe o que pode acontecer..Então descascou as peras e deixou as cascas do lado.
Depois que Pinocchio comeu as três peras, ainda sentia fome. E não tendo mais nada o que comer, Gepeto lhe deu as cascas que tinha guardado, dessa vez Pinocchio as comeu com gosto. Está vendo - disse Gepeto - nesse mundo não podemos acostumar o nosso paladar a ser muito delicado nem muito sofisticado, pois não se sabe o dia de amanhã. Tudo pode acontecer!






A COMPREENSÃO TARDIA

Depois de matar a sua fome, Pinocchio ainda resmungava: queria seus pés de volta. Mas Gepeto ainda deixou um pouco de castigo, resmungando durante horas.
Por quê haveria de reconstruir os seus pés? perguntou ele ao bonequinho travesso.

Pinocchio que já havia fugido da casa de seu "pai" na primeira oportunidade, percebeu então que o sábio grilo agourento no fundo tinha razão, Quem dá as costas à casa paterna, se arrepende amargamente.
Prometeu que não iria fugir e que iria à escola, pois não queria acabar na prisão ou no hospital, não queria mais viver como um vagabundo.

Durante a noite, enquanto Pinocchio dormia, Gepeto pegou uma cola derretida dentro de uma casca de ovo, e colou dois pés novinhos em Pinocchio. Quando ele acordou no outro dia, a cola estava tão bem selada, que não havia nenhuma marquinha...

Pinocchio saiu cambaleando, dando piruetas de alegria. E para recompensar o que Gepeto havia feito por ele, decidiu cumprir sua promessa: iria já para a escola!







Gepeto o vestiu com uma linda jaqueta feita de casca de árvore e um chapéu feito com massa de pão. Mas para ir até a escola ainda precisava de uma coisa: a cartilha.

Então Gepeto saiu de casa, e logo voltou. Quando chegou em casa, voltou com uma cartilha novinha nas mãos. Pinochio percebeu que ele estava sem camisa, apesar da neve forte la fora. E perguntou: Onde está a jaqueta pai? Eu vendi, respondeu Gepeto. Por que você vendeu? Por que estava com calor!!!!

Então Pinocchio percebeu o que Gepeto havia feito. Ele havia vendido a sua própria jaqueta para pagar a cartilha. E sem poder conter o impeto de seu coração, abraçou Gepeto e prometeu que seria um bom menino.






PINOCCHIO, UMA HISTÓRIA TOSCANA

      Esta é a estória original de Carlo Collodi escrita em  1881. Esta estória, que é apenas uma parte de As Aventuras de Pinocchio (1883), era a estrutura básica  do primeiro texto que Collodi escreveu em 1881. Um texto ainda incipiente, simples.

    Este texto apareceu pela primeira vez no Giornale per i Bambini, o primeiro periódico italiano voltado para o público infantil.

 Um dia, em 1881, o editor do Giornale per i bambini, que era amigo de Collodi, recebeu um texto curto (que é  a estória que eu contei no início do post). Junto com o conto havia um bilhete perguntando se o editor não queria dar às crianças (leitoras) do jornal, "um pouco de loucura"....publicando aquele texto.


 Era a primeira aparição do bonequinho de madeira...






      O sucesso imediato da história do bonequinho rendeu vários capítulos que Collodi escreveria mais tarde em seu livro sobre  Pinocchio. Ele publicou várias aventuras do bonequinho entre 1881 e 1883 para o Giornale per i bambini. Mais tarde essas estórias foram transformadas em um livrinho infantil que ampliava as aventuras do bonequinho de madeira, inserindo a ideia do nariz que aumenta com as mentiras, fuga para a floresta, o teatro de marionetes, as artimanhas da raposa e do gato, a Fada Azul (ou "fada com cabelo turquesa", que   acaba se contrapondo como uma presença materna na segunda parte da estória, ao invés da figura paterna de Gepeto no conto original)   e a clássica história da baleia... até a transformação final do bonequinho em um garoto de carne e osso no momento em que ele atinge uma compreensão mais profunda de si e de seus atos.
      E pra falar a verdade, me incomoda um pouco lendo esse conto hoje em dia, com os olhos de hoje, uma história como essa, me incomoda o caráter pedagógico da estória...mas vendo as ilustrações do Giornale per i bambini dá pra entender...são outros tempos, as crianças eram diferentes...

    Collodi trabalhou como jornalista muito tempo na Rivista di Firenze. Ele já havia tido contato com a publicação dos Irmãos Grimm e também com a  obra de Lewis Caroll, pois  nessa época estas obras estavam começando a aparecer na Itália. Ele mesmo dedicou uma parte da sua vida para traduzir contos de fadas franceses, principalmente os de Charles Perrault.  Porém, livros de contos de fada ou algo que se pode chamar de "literatura infantil" era um terreno relativamente novo na língua italiana. 

    Em 1883, Collodi reúne todas as estórias escritas no Giornale per i bambini, e publica Le Avventure di Pinocchio : Storia di un buratino (As aventuras de Pinocchio: história de um boneco), um livro que já nasce como um clássico.

    Mas eu gosto muito da história original de 1881, em sua simplicidade.  A história aparece sob o pano de fundo de um mundo de um marceneiro pobre na Toscana. Seguindo na tradicional narrativa infantil, a estória do boneco de madeira, no entanto, esbarra num mundo brutal, contendo descrições cruas sobre a necessidade da busca de alimento, as noites passadas no frio, a pobreza, um mundo onde se deve decidir entre o caráter ou a vida de bandido, onde a ingenuidade do boneco muitas vezes o leva a cair em maus lençóis...(numa versão, Pinnochio acaba morrendo com uma morte horrível, sendo atraído para  uma emboscada e enforcado numa árvore) e as mágoas que cada atitude errada causam no coração de um pai afetuoso, que no fundo, só lhe quer o bem.



    Pinocchio faz parte da cultura italiana e foi escrita em dialeto toscano, antes que a língua italiana fosse unificada. A escrita do livro de Collodi está salpicado com elementos da cultura fiorentina. O próprio nome do boneco-protagonista é uma saborosa alusão às famílias fiorentinas. Em certo momento, quando Gepeto encontra o nome certo para seu boneco, ele reflete: "conheci uma família de Pinocchios: Pinocchio o pai, Pinocchio a mãe, Pinocchio os filhos..o mais rico deles pedia esmolas!". 
     O bonequinho de madeira tem raizes e pedigree toscano. Collodi é pseudonimo de Carlo Lorenzini, que nasceu em Florença.  Era o nome da  cidade na Toscana em que a sua mãe nasceu.  Na cidade de Collodi na Toscana, onde Carlo passou sua infância, existe hoje em dia um parque temático: o  Villagio di Pinocchio.
    
O livro  de Collodi é um caso comum daqueles em que a obra torna-se maior que o escritor. Todo mundo certamente já ouviu falar em Pinocchio, mas poucos parecem ter idéia do surgimento do personagem na Avventure di Pinocchio: storia di un buratino.
    Esse livro, que encantou o mundo todo, nasceu ali, em Florença...

Por isso, é gostoso você estar em Florença,  e em toda parte você ver alguma lojinha de penduricalhos do Pinocchio...

      PINOCCHIO ILUSTRADO

     Desde 1881 Pinocchio, o bonequinho de madeira, tem sido ilustrado por vários artistas. As primeiras ilustrações do boneco foram feitas por Enrico Mazzanti, um amigo pessoal de Collodi, que já havia colaborado com ele anteriormente. 



     O ilustrador mais cultuado porém, parece ser o mestre Attilio Mussino, que aproveitou as técnicas de cores do Cinema para dar mais realismo aos seus desenhos. As ilustrações de Attilio Mussino são especialmente bonitas, de bom gosto...







     Mas eu gosto mesmo das ilustrações em preto e branco que eu coloquei nest post. São as ilustrações de Carlo Chiostri... Para dizer bem a verdade, elas não são as mais bonitas, nem tem aquele colorido mágico das ilustrações de Mussino, mas ao ver aqueles desenhos, eu acho que combina muito bem com o tom frenético e o movimento que a obra tinha no seu original...o Pinocchio de Collodi nada tem de fofinho dos desenhos da Disney, eu o imagino muito mais como o personagem da cabeça de Chiostri...





E pra quem acha que já deu tudo o que tinha pra dar... eu recomendo a premiadíssima Graphic Novel, Pinocchio de Winshluss, em que o autor re-conta a estória já conhecida com um toque de noir e um clima futurista..sensacional. Coisa feita pra fã...




BARTOLUCCI: ARTE EM MADEIRA EM FLORENÇA

Quando você anda pela  Itália, principalmente na região da Toscana - e especialmente em Florença- vai ver centenas de barraquinhas vendendo chaveirinhos e souvenires do Pinocchio...




















Mas se você estiver em Florença, há um lugar especial, que com certeza você deve passar, se você quiser sentir um gostinho da terra de Carlo Collodi. 


É a loja Bartolluci, fica na Via della Condotta, 12




Se tem um lugar onde dá um gostinho especial ver o Pinocchio é numa loja especializada em arte "in legno"... 




E os Bartolluci tem uma tradição antiga com trabalhos em madeira....(a família já trabalha com madeira muito antes de surgir a loja ).
 Eram eles que faziam aqueles cavalinhos que balançam...e também eles fazem umas motocicletas em madeira que são muito bonitos...além de milhares de outros artigos em madeira um mais bonito do que o outro..




















E os bonequinhos do Pinnochio na loja Bartolluci são os mais fodas...







Bem na entrada tem um imenso, do tamanho de uma criança mesmo, sentado num banco...


Tem outro muito simpático, com o Pinocchio andando numa bicicleta, as pernas se movem.....


Mas o mais legal é lá dentro... Pinocchio sentado ao lado de uma parede com uma lareira pintada e os pés comidos pelo fogo do braseiro....muito legal!!



Se você estiver em Florença, ao invés de comprar um souvenir idiota do pingolin do David de Michelangelo, compre um penduricalho do Pinocchio, é bem mais legal!!!

Eu comprei o meu....





*** Este post é dedicado à Ana de Oliveira e Silva

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