sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Moda (2): o "triangle d´Or" (Champs Elysées, George V e Avenue Montaigne)






O triangle d´Or (triângulo de Ouro) é um dos endereços mais chiquetozos de Paris..ele é formado pelas Avenidas Champs Elysées, George V e Montaigne..que confluem na Place Flanklin Roosevelt ....na hierarquia dos endereços de Paris, o trianglé d´Or representa aquilo que Paris tem de melhor, de mais caro e mais seletivo..ele é literalmente onde a moda acontece...





Mas dessas três avenidas, a mais elitista, com certeza, é a Avenue Montaigne....







Pois é lá que você vai encontrar algumas das lojas mais famosas do mundo: Channel, Dior, Prada, Pucci, Valentino, Versace...


















Sentiu o drama? Pois é..já dá pra entender né..não é um endereço pra qualquer um..literalmente. Passando pela rua você vê uns quarteirões luxuosos, de enxer os olhos mesmo..ai você lembra que em Paris..quanto mais você vai chegando ao Oeste (próximo do Champs de Mars e da Torre Eiffel)..mais luxuosos e mais caros vão ficando as residências..pois era ali que até meados dos anos 40 ficava a alta burguesia parisiense..que aos poucos foram virando escritórios. (hoje em dia o chic é morar fora de Paris..nos entornos)..até que finalmente se tornaram a residência oficial das lojas de grifes da “alta costura”




Eu digo que a Avenue Montaigne é a mais elitista porque por lá você ve um ar meio metido a besta no local..um ar de que não é pouca merda sabe..daquele tipo de gente que te olha de nariz em pé...(ou nem nota que você está ali)...bem isso. Lá na Champs Elyssés..abarrotada de turista..você ve de tudo..desde famílias supercomportadas..até o tiozinho motoqueiro com uma Harley Davidson que mais se parece com o Raul Seixas..mas ela é mundialmente famosa né...já a Montaigne não..ela possui um carater mais reservado..você poderia passar por ela..e nem notar..lá não tem nenhuma estátua espalhafatosa, nenhum chamariz..é uma avenidade chique e requintada..de muito bom gosto..como deve ser...


Andando por lá..eu sempre dava uma "bisóiada" dentro das lojas..elas sempre vazias..


Dá a impressão que lá..só entra gente assim:







Eu fico imaginando, finalmente..que não é qualquer pé-rapado que tem as manhas de entrar numa loja dessas na “caruda”..milhares de turistas do mundo inteiro ou mesmo aquele parisiense mais pobretão (que disfaça o fato de ser um fudido pé-raspado dizendo que é “alternativo”)..não tem coragem de sequer empurrar a porta de uma dessas grandes lojas..pra dar um “pescoço”.





E sabe..tudo isso, mesmo sabendo que a entrada é gratuita..e livre..Ela está la..mas ninguém ousa (eu mesmo nao vi ninguem entrando..eu acho)...é como se tivesse uma barreira invisível e intransponível que sepára nós..os meros mortais..deles, os fodas...que comem peidam ouro no café da manhã...
É como em Kafka..na lenda Diante da Lei..Kafka nos conta que Nada – certamente não é a presença do guardião – impede o camponês de entrar pela Porta da Lei..senão o fato de que a porta já está sempre aberta...e de que a lei não prescreve nada..
Agamben, comentando este texto, fala que o poder da Lei está precisamente na impossibilidade de entrar naquilo que já está aberto.. “Como podemos esperar abrir, se a porta já está aberta, como podemos entrar no já-aberto...

Então..assim como o camponês de Kafka diante da porta da Lei..nessa barreira invisivel que eu te contei..também não é possivel entrar..a porta está ali..aberta..acessivel a todos..não há nenhum tipo de placa dizendo que nós..pé-rapados..não podemos entrar...

Simplesmente não entramos porque entrar é ontologicamente impossivel no já-aberto...


Sabe..e a moda não é so uma coisa de gente afrescalhada com cabelos esquisitos...você pode não entender ou não gostar daqueles desfiles exdruxulos (o qual certamente você nunca foi..tirando aquele do Pollo Shopping Direto da Fábrica)...mas tem que dar um crédito né..veja um cara como Dior..que após a II Guerra Mundial..quando todo mundo tava fudido e apostava na sobriedade..vem com uns modelos super-ultra chiquetozos..do babado mesmo..sem contar Channel não é mesmo mulheres?..sem ela vocês ainda estariam usando espartilhos..





Mas sabe...o máximo que eu já tinha me envolvido com moda antes ou seja..com corte e costura..foi quando uma vez eu cortei a camiseta pela metade para ficar igual ao Bruce Dickinson no encarte do Somewhere in time..ou quando eu mesmo peguei a tesoura para fazer um corte igual ao do Aquamen...então desisti..não era minha praia..

Mas esse passeio inusitado..num ambiente que com certeza não era o meu..me levou a pensar que a Moda é assim.."incomoda"..exatamente porque por mais que a gente ache que não..ela faz parte de nossa vida..por mais distante que ela pareça da realidade...que ela seja meio assim..um pouco etérea (eu gosto da frase de Tarkovsky quando ele diz que toda forma de arte – e a moda é uma – é uma forma de "esculpir a eternidade no tempo")
Mesmo assim..a moda nos dá sempre uma possibilidade de construirmos nossos territórios..Ou seja..se formos bem deleuze-guattari, diríamos que primeiramente o território é aquilo que marca as nossas distâncias...O que é meu é primeiramente minhas distância..não possuo senão distâncias..

É claro, a moda sempre foi e sempre será uma imensa engrenagem..uma máquina infernal..lembro-me de alguém que explicou esse ideal meio policialesco da moda..: “ela é como uma espécie de policial à paisana..que te comprimenta..conversa com você..prega uma ausência de regras..mas no fundo quer te foder a vida”..Ou seja, o controle é menos explícito, mais tentacular, microfísico...



Mas, por trás dessa máquina monstruosa e perversa..que é a Moda..há porém..sempre um vetor de singularização subjetiva..Por mais que a moda te implante um micro-chip de consumo..como ela te comanda e te absorve, essa imensa máquina disfunciona e entra em circuito no momento que aquilo que é vendido como a “ultima moda”..é reapropriada pelas pessoas..livremente..(é o que Cristiane Mesquita chama de “Poética do Vestir”)

Mas veja, este é um processo de mão dupla..Num estudo sobre a Benneton, Maurizio Lazaratto nos mostra como ao mesmo tempo em que a moda é essa imensa máquina..ela também vampiriza a maneira de ser das pessoas, no cotidiano, a vida nas pessoas..e bem, o que é interessante, que Lazaratto nos mostra...é que cada vez mais..o capitalismo contemporâneo une as duas pontas: a produção pluga-se inteiramente nas pessoas, chupa seu modo de vida..e lhe revende como “modo de vida.”, identidades pret-à-porter, diria Suely Rolnik..

Ou seja, o caminho vai em duas vias..a moda vampiriza essa maneira de ser na rua..e a revende como um produto pronto..mais do que roupas..ou uma maneira de se vestir..o que está em jogo são as formas de vida..

Quando a Benneton coloca amputados, aidéticos ou mutilados de guerra num cartaz..o que ele te vende não é apenas uma marca ou uma  roupa..mas um jeito de ser, uma subjetividade..Mas quando a M. Officer coloca meninos de rua para desfilar..não sei dizer o que dizer..como marcar esta diferença entre o que está nas ruas..e o que se vende como um modo de vida?


Ou seja, no quadro político contemporâneo, quando o capitalismo (e a moda é uma das engrenagens dele) expropria, vampiriza e revende formas de vida, há por toda parte, um processo inverso..em que a parte dos chamados excluídos, dominados, na sua precariedade, na sua subsistência, utilizam unicamente a vida como valor, como capital..e transformam a vida, em vetor de singularização...pois a criação não é só um patrimônio dos cérebros privilegiados, da ciência, ou da arte..ela está ai nas ruas..a criação..é uma potência, presente em todos e em qualquer um..

1 comentários:

Ana disse...

MUITO interessante, curti.

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