quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Napoli, Napoli






the spanish district



       UM CAOS CHAMADO NÁPOLES

       É um verdadeiro choque! Quando  você sai da região mais bonitinha do norte da Itália e vai cair naquele caos chamado Nápoles, a primeira coisa que você pensa é: “Mas o que é que eu estou fazendo aqui”? Dizem que Veneza tem suas gôndolas, Florença tem a Ponte Vecchio, Roma tem o Coliseu...e Nápoles tem....os batedores de carteira!!! Um grande exagero é claro, mas mostra bem como as pessoas tem uma certa  antipatia por esse lugar. No meio de tantas opções na Itália, Nápoles aparece como uma espécie de patinho feio, ninguém quer ir para lá.

    “Nápoles é feia”, “`É suja”, “cuidado com a Camorra”, “Parece um favelão”! Essas foram algumas das frases que eu ouvi durante a minha preparação para a viagem à Itália.  Todos foram unânimes: “Não perca tempo com Nàpoles”.
     Nápoles foi fundada pelos gregos que lhe deram o nome de Neapolis. Mais tarde, a cidade foi ocupada pelos romanos. Algumas das ruas do centro ainda conservam o traçado das decumani romanas (ruas que cortam a cidade de ponta a ponta em linha reta). Mais tarde Nápoles passou a fazer parte do reino da Sicília, sendo controlada pelos espanhóis. Esse caráter multifacetado e pluriétnico deu a Nápoles uma personalidade própria, diferente. Nápoles é uma cidade com sangue quente, personalidade.


        Definitivamente, Nápoles não é uma cidade que te conquista de cara. Logo no início ela te dá uma má impressão. Ela é suja, caótica, populosa, seus prédios e  construções históricas são bem mal conservados.
       Muitas partes da cidade que eu conheci estavam em obras...

       

   As paredes dos prédios são pichadas, e  descascadas. E principalmente, a sua marca registrada são aquelas ruazinhas estreitas, cheias de varais coloridos, que dão um aspecto de cortiço para o lugar.









     Já quando chegamos à cidade, vamos vendo ao longe aqueles apartamentos velhos, cheios de varais coloridos. É uma visão um tanto assustadora para quem chega de destinos mais bonitinhos como Veneza, Florença e mesmo Roma.



     
    Ao chegar à estação, dá pra perceber bem a diferença. Os trens regionais no sul da Itália são detonadões, tudo pichado...uma verdadeira geringonça.



  A sensação de caos aumenta quando saímos da estação Napoli Centrale e caímos na Piazza Garibaldi. Tente atravessar a rua ali! É uma aventura! Vôcê se lembra daquele jogo da Atari, chamado “Free Way”? Você se sente como aquela galinha tentando atravessar a rua!! É igualzinho. Eu reparei que alguns sinaleiros na Itália tem sinal amarelo para os pedestres. Vai ver que é porque as motonetas passam a toda velocidade! E é para ter atenção redobrada.



   
  Mesmo já tendo um pouco de gostinho do que é o trânsito italiano em outras cidades maiores da Itália como Milão e Roma, nada te prepara para experimentar o que é o verdadeiro caos do trânsito napolitano. Ele é tão confuso que chega até mesmo a ser artisticamente desorganizado.

                        

   A sensação de que estamos perdidos num turbilhão, em meio ao caos, aumenta quando começamos a ouvir as pessoas nas ruas. Essa sensação é potencializada pelo aspecto babelino do dialeto napolitano. Enquanto no norte o italiano que se fala na região da Toscana, por exemplo, nos soa muito familiar, em Nápoles, com seu dialeto próprio, é muito mais difícil compreender a sonoridade das palavras. A gente percebe imediatamente que estão falando um dialeto...algo como o chiado do Pulcinela!

  
      

        
     É PRECISO TOMAR CUIDADO..MAS NEM TANTO!

    É claro, não foi sorridente e com colar de ouro que eu cheguei em Nápoles. Deu um certo medinho sim. Afinal eu já tinha ouvido altas histórias sobre lá, vários casos que mais parecem ser tirados das manchetes policiais: alguém teve a carteira roubada durante o dia; pegaram o celular do outro no meio da rua; uma outra pessoa teve a bolsa arrancada por um cara que vinha de moto (isso eu já vi nos jornais, parece ser comum), e por aí vai. Então, Nàpoles foi o único lugar por exemplo, que eu não andei com a minha máquina da Nikon no pescoço, usei aquelas máquinas point-and-shoot automáticas mesmo, uma ou outra vez eu tirei a câmera do case para tirar algumas fotos dos Presepi da Via San Gregório Armeno e da PIazza Del Plebiscito e do Castelo dell´Ovo por exemplo.  Mas nas ruazinhas estreitas do centro histórico e do Quartieri Spagnoli, eu fiquei com o sinalzinho de alerta ligado. Não tem como, se você está numa cidade desconhecida, ainda mais como Nápoles, não pode dar chance ao azar.

    Obviamente todas essas histórias de violência te deixam um pouco inseguro. Talvez seja a mesma coisa dos turistas gringos que ouvem sobre a violência no Rio de Janeiro. Mas quem está acostumado a circular pelas cidades do Brasil, não vai achar nada demais. No final, você acaba se acostumando e sentindo-se em casa. No Quartieri Spagnoli, na Via Toledo, por exemplo, eu esperava ver uma cidadela dominada pela Camorra, cheia de mafiosos e pessoas mal encaradas: mas o que eu encontrei foi um bairro comum, com pessoas andando na calçada no final de tarde, jovens conversando na rua, pais levando seus filhos para passear, bem diferente do que eu imaginava que seria.








     MONTANHAS DE LIXO

    Como toda pessoa que está num lugar de passagem, eu não vivenciei os verdadeiros problemas dos napolitanos, aqueles do seu dia a dia.  Por exemplo, o lixo. É um problema crônico da cidade há vários anos e de vez em quando isso estoura.
      Numa dessas crises do lixo, a cidade ficou toda infestada, com montanhas e montanhas de sacos plásticos nas ruas (literalmente montanhas de lixo). Os moradores desesperados começaram então a queimar os lixos nas ruas, provocando incêndios (já que Nápoles é formada basicamente por ruazinhas estreitas, com apartamentos grudados uns nos outros). 
     O caso foi tão sério que até mesmo o Exército italiano foi mobilizado para ir até lá ajudar na coleta de lixo. Sabe aqueles filmes estilo epidemias, que vem o governo, com os caras vestidos de macacão  e mascaras, foi bem assim. E é uma pena ver um lugar como este tão mal cuidado.








      O SISTEMA: A MÁFIA NAPOLITANA

     Há também o problema da Mafia Napolitana. Certa vez, eu li em algum lugar que uma pessoa que vivia num bairro de classe média de Nápoles, dizia que aquele bairro era controlado pela Camorra. Eles controlavam tudo que as pessoas tinham: se você ia fazer uma reforma na sua casa, tinha que pedir autorização; se você ia comprar um carro, também tinha que pedir autorização. Você sabe né? A Camorra (também conhecida simplesmente como o Sistema) é uma organização mafiosa que trabalha em rede, dividida em várias facções. Ao contrário da máfia siciliana, a Camorra é uma máfia essencialmente urbana. Em Nápoles há um ditado “Camorra non perdona”. È claro que a máfia napolitana não está interessada em bater a carteira dos turistas, ela está envolvida num lamaçal de atividades que envolve drogas, prostituição e está envolvida até com a política. Mas parte das manchetes sobre a criminalidade de Nápoles está ligada a isso e faz com que a cidade tenha o indesejável título de uma das cidades mais violentas da Europa.

   Há algum tempo Nápoles iniciou um programa para colocar ex-presidiários para orientar os turistas sobre os locais mais perigosos de Nápoles...O programa se chama "Esco-Dentro". Os ex-presidiários são vistos usando coletes amarelo-fosforescente, servindo de guia para grupos de turistas, ajudando com malas nos hotéis ou dando conselhos para os visitantes:


Guias turisticos diferentes em Napoles


     Claro, você não vai  ver muita coisa à luz do dia e no centro de Nápoles. Embora alguns chefões da Camorra tenham sido capturados no bairro do Quartieri Spagnoli. O lado mais violento de Nápoles está mais para o norte, nos bairros como Secondigliano e Scampia. Ali dá até um frio na barriga.


        Esses temas foram magistralmente tratados por um escritor italiano chamado Roberto Saviano. Leia por exemplo, La Belezza e l´Inferno e também Gomorra.


    VAMOS FALAR DE COISAS BOAS...

    Nápoles tem problemas? Sim. Como toda grande cidade, Nápoles não está isento de ter suas mazelas. Mas o interessante é que Nápoles não esconde seus defeitos embaixo do tapete. Andar pelas ruas de Nápoles é vivenciar tudo isso. Nápoles é uma cidade a ser visitada, para quem gosta de quebrar as regras e não liga pra generalizações. Nápoles é feia, violenta e caótica. Mas e daí? Você tem um milhão de coisas para fazer em Nápoles.

   A minha dica para conhecer Nápoles é...evite tudo aquilo que é turístico demais: a Piazza Del Plebiscito, o Castelo Nuovo, a Galeria Umberto I e vá para as ruas. Saia um pouco do roteiro e vá ver como os napolitanos vivem. São em ruas como a Via San Gregório Armeno ou a SpaccaNapoli, o Quartieri Spagnoli ou visitando o Mercado de Pignasecca, que você realmente vai sentir o gostinho de andar pela “verdadeira” Nápoles. No fundo, não existe apenas uma Nápoles. Ao longo dos próximos posts vou falar sobre vários lugares que eu conheci em Nàpoles, que apresentam facetas bem diferentes. Nápoles é uma cidade que vai mudando de fisionomia na medida em que você começa a desbravá-la, andar por suas ruas e conhecer os seus cantinhos.

  Você pode se deparar com cenas inusitadas. Por exemplo, na mesma rua, você encontra um altar dedicado à San Genaro, padroeiro da cidade, e logo depois...um altar dedicado à....Maradona!!!!!



   
   Você também vai ver que o Pulcinella, um personagem da Commedia dell´Arte que foi inspirado no povo napolitano, está em todo lugar, em Nàpoles:




 E não podemos falar de Nápoles, sem deixar de falar da sua principal invenção: a deliciosa pizza margheritta.






    Então. Não se assuste com esse jeito carrancudo da cidade. Ela contrasta, e muito, com a amabilidade do povo napolitano. Você vai ver. Na primeira vez que você interagir com um napolitano você vai sentir-se em casa. Quando você vai pedir uma informação, só falta eles te levarem pela mão até o lugar que você quer ir. Quando eu tava tomando um café num barzinho e timidamente pedi para proprietária para tirar uma foto, ela abriu um sorriso tão largo que eu sem querer comecei a sorrir também. Nápoles é assim. Uma cidade vibrante, caótica, emocionante...




    
     Nápoles foi uma cidade muito importante pra mim. No final, foi uma paixão arrebatadora. Eu estava aos prantos, com o coração apertado, quando peguei o trem de volta para Roma, eu não queria ir embora...me arrependi amargamente por não ter planejado ficar ali pelo menos mais uns dois ou três dias.  

     COMEÇOU EM NÁPOLES....

    No final, a relação com Nápoles que eu tive é muito parecida com um filme chamado It Started in Naples (Começou em Nápoles). Clark Gable vive um advogado novaiorquino que vai para a Itália pegar o seu sobrinho para trazê-lo aos Estados Unidos. Acontece que sua tia, que é vivida por Sophia Loren (mais bela do que nunca), não concorda com a vinda do garoto para a América. A antipatia inicial foi recíproca: ele americano, advogado, mauricinho, todo "certinho"; ela dançarina de cabaré, livre, leve e solta. 
 Começa assim uma história vivida em Nápoles. O advogado bonitão, que inicialmente odeia a personalidade forte daquela mulher napolitana vai se afeiçoando por ela. Tudo começou ali, em Nàpoles.    







Esse filme, de certo modo, lembra um pouco também um outro filme chamado Bienvenue chez les Ch'tis (A Riviera não é aqui!) Esse filme também nos mostra um personagem que odeia aquilo que é mais forte e característico da cultura do lugar, mas aos poucos vai se rendendo e vai se afeiçoando aos costumes e hábitos do lugar que antes ele desdenhava.






  Então, se afinal, você não gostou de Nápoles logo de cara, se ela não é a menina de ouro do roteiro de sua  próxima viagem à Itália. Por favor, não a risque do mapa. Quem sabe naquela tarde quente, olhando a baía de Nápoles, você não descobre subitamente que está apaixonado por ela.




 Da próxima vez que me disserem que Nápoles é feia, violenta, suja, desorganizada. Vou encher os pulmões e dizer: “E sim, Nápoles é tudo isso. Ela é feia, suja, caótica....mas é um tesão de cidade!!!



  
     
   Nápoles é assim, ela não agrada a todos, ela tem uma personalidade tão forte quanto Roma! Quem vai para lá, ou ama ou odeia.



1 comentários:

Anônimo disse...

Olá Maurício: gostei muito do seu artigo. Revela um olhar e um cuidado diferente do típico turista.Apesar da minha viagem a Nápoles ter sido muito curta, foi um pouco do que aqui é transmitido que também senti. Boas viagens e bons artigos.

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