domingo, 23 de dezembro de 2012

Onde estão os cadeados da Ponte Milvio?

   Você consegue imaginar uma cena que pode exprimir O que é o Amor? 
Se você me pegasse de surpresa eu poderia, eu lembraria de duas ou três cenas. Talvez para você as referências podem ser outras, talvez você tenha outras listinhas... mas eu me lembraria de algumas imagens como

O quadro de Francesco Hayez, O Beijo, que eu vi na Pinacoteca de Brera....





Aquele quadro de Klimt...




Ou quem sabe (é o meu preferido, confesso), aquela foto de Doisneau, "Le baiser de l´ Hotel de Ville)



Quando eu vejo estas cenas, me ponho a pensar sobre as histórias de vida, passadas e futuras, histórias unidas ou separadas, pelo amor....

Em minha vida tive a oportunidade de ver isso de perto. Um lugar mágico, que tem sua significância pelas histórias de amor vividas e juradas ali, às margens do Rio Tibre, numa ponte distante do centro...onde casais vão para lá, colocar um cadeado para juramentar seu sentimento. O amor deve ser solene quando o momento pede...

 E foi assim que eu fui lá, no meu último dia em Roma, visitar a famosa Ponte Milvio, cujo relato vou fazer neste que é um dos meus últimos post sobre a viagem para a Itália.




OS ROMANOS E A PONTE MILVIO



    A Ponte Milvio é uma das das dezenas de pontes que cortam o Rio Tibre...Ela é uma das mais antigas, e também uma das mais importantes. Na época dos romanos, esta ponte servia de passagem para o norte....por ali passava a famosa Via Flaminia, que levava os romanos até  a Gália, Lutèce, etc...quando se chegava na Ponte Milvio, sabia-se que estavam na zona limítrofe da cidade....

  

    A Ponte Milvio também foi palco de uma batalha legendária. Foi para comemorar a Batalha da Ponte Milvio (outubro de 312 d.C) que os romanos construíram aquele imenso Arco do Triunfo ao lado do Coliseu...Essa batalha marcou o declínio da Tetrarquia e a ascensão de Constantino ao poder...mas não é este o foco deste post, né?

  
    Para um historiador  como eu, mesmo que História Antiga não seja a “minha praia”, já era motivo suficiente para querer conhecer este lugar....

   

LUCCHETTI DELL´AMORE:  A PONTE DOS "CADEADOS DO AMOR"

    Mas não é por isso que esta ponte é conhecida hoje em dia. Não é todo mundo que tem gosto por História...É por outro motivo que as pessoas se dirigem para lá...





     Tudo parece ter começado com um costume antiquíssimo... Dizem que antigamente, os jovens, quando completavam o serviço militar, iam até a Ponte Milvio colocar o  cadeado do seu armário no lampião da ponte...e jogavam fora a chave nas águas do Rio Tibre, era um sinal de que havia cumprido um ciclo da vida...sinal de tarefa cumprida... o jovem, ao completar o serviço militar, jogava fora as chaves do cadeado, querendo simbolizar a emancipação, “agora vou tocar a vida pra frente”, certamente eles pensavam isso...




   Mas, de certa forma, esta antiga tradição juvenil foi suplantada por uma outra “mitologia”, a dos casais românticos que vão até a Ponte Milvio, colocam o cadeado no lampeão, como uma maneira de eternizar o seu compromisso, o seu amor...








   Dizem que se o cadeado estiver lá, firme e forte, o amor dos jovens apaixonados nunca terminará, será eterno...







   HO VOGLIA DI TE....
     

   A Ponte Milvio esteve comigo em pensamento durante muito tempo. Há dois anos, quando eu estive em Paris, vi uma tradição parecida...os casais apaixonados deixam cadeados na Pont des Arts...e há lugares assim em vários lugares do mundo...várias pontezinhas, vários cadeados, várias histórias de amor...



   Mas se a Ponte Milvio é a mais conhecida delas, é porque muita gente conheceu essa tradição, que se popularizou no livro de  Frederico Moccia, Ho Voglia di Te (Eu te Quero), em que há uma  cena emblemática em que o casal protagonista colocam um cadeado no terceiro lampião do lado norte da ponte, para selar o seu compromisso... (na verdade Ho Voglia di Te é continuação de uma história que começa em Tre Metri Sopra il Cielo [Três Metros acima do Céu] mas não, eu não vou ficar falando disso aqui...)







    O livro virou um filme em 2006...e muitos casais começaram a imitar o gesto popularizado pela cena de Ho Voglia di Te...











   O costume certamente não começou com o livro e o filme, mas Ho Voglia di Te popularizou um antigo costume dos jovens romanos...o dos cadeados na Ponte Milvio.. Todo mundo começou a pirar o cabeção...



  Tanto que finalmente aconteceu o que todo mundo temia...


  "CORAÇÃO PELUDO"...A RETIRADA DOS CADEADOS DA PONTE MILVIO...

   Depois de vários anos, com o afluxo de casais para aquela ponte, e a popularização do costume dos cadeados...os lampeões começaram a se sobrecarregar...Logo, não era mais apenas o terceiro lampião do lado norte que estava cheio deles, toda a ponte estava repleta de cadeados...E não tardou que um deles não aguentasse o peso e caísse!!

  A prefeitura então começou a retirar os cadeados da Ponte Milvio...Lá se vai o sonho de que os cadeados ficariam ali para sempre!!!  (Sim, os casais apaixonados são perfeitamente idiotas para acreditar que os cadeados ficariam ali eternamente)...


A prefeitura ainda tentou algumas soluções para não sobrecarregar os lampiões da Ponte Milvio, por exemplo, colocando varais com correntes ao longo do trajeto... 




Esses varais também ficavam carregados de cadeados, e de vez em quando eles eram trocados...os cadeados é claro, acabavam fundidos e vendidos (da mesma forma que as moedinhas que os turistas jogam na Fontana de Trevi),  gerando uma certa receita para a cidade...

  Mas isso também começou a se tornar ploblemático porque dizem que com o tempo a corrosão dos cadeados tem danificado seriamente a estrutura desta ponte histórica..aí fudeu tudo! 

   Então, exatamente alguns dias antes da minha viagem, eles resolveram retirar vários cadeados que estavam ali, "danificando a ponte"..após uma intensa batalha...parece que tudo caiu para o lado do mais fraco....os cadeados finalmente foram retirados de lá...

   Fazer o que, me ferrei, cheguei lá na hora errada... (assim como aconteceu com a minha visita ao Cinecittà - outra decepção - que eu encontrei vazia, em meio à uma greve dos operadores). 


   Eu cheguei na Itália em meio à uma polêmica entre prós e contras aos "cadeados do amor"...


   O prefeito de Roma em pessoa foi lá conferir a retirada dos cadeados...o pessoal ficou inconformado...O próprio autor do livro Ho Voglia di Te, Frederico Moccia colocou-se em defesa dos pombinhos apaixonados, dizendo que aquilo não tinha nada haver, que Roma tinha problemas gravíssimos como monumentos depredados e pichações pela cidade, etc. Não adiantou...







   Mas, é claro, mesmo que os cadeados sejam retirados, eles não tardarão  a aparecer por ali novamente...e logo logo, eu espero, quando menos se imagina...a ponte estará novamente abarrotada de penduricalhos e seus recadinhos amorosos...é o que eu desejo do mais fundo do meu coração...


    Mas não se desespere...apesar de todo o bafafá, ainda é possível um Plano B..
   Por exemplo, você pode colocar um "cadeado virtual" na Ponte Milvio, neste site: http://www.lucchettipontemilvio.com/ (claro que não tem a mesma magia né?) 

   No momento em que eu escrevo este post há uma grande pressão em cima da ponte, os casais que forem pegos colocando as lucchetti dell´ amore podem ser multados..a coisa anda feia, as autoridades de Roma têm o "coração peludo"...




...e parece que de alguma forma, os cadeados estão migrando para outras regiões da cidade...Quando eu estive em Roma eu vi alguns cadeados num canto da Isola Tiberina e muita gente está dizendo que eles começaram a aparecer também numa esquina perto da Fontana de Trevi...



   Eles podem interditar o local, mas não o coração das pessoas..hehehe...


  A PONTE MAIS ROMÂNTICA DO MUNDO (MAS NÃO PELA MANHÃ...)

    Mas como a Ponte Milvio é um pouco afastada da zona mais turística de Roma, é mais provável que pouca gente vá para lá. Seu "público alvo" são principalmente os casais de innamorati...e eventualmente, algum historiador maluco como eu...Mas o "turista comum", esse não está ali, está bem longe...afinal, a Ponte Milvio está onde antigamente terminava a cidade...para chegar lá, pelo menos uns 45 minutos de caminhada de ida, e outra de volta...

    Com certeza, ela é uma ponte belíssima, e as águas do Rio Tibre são muito vistosas naquela parte da cidade...elas vem com volume, o rio fica muito bonito, depois que ele passa da região da Piazza di Spagna e vai parar ali no norte da cidade, volumoso, imponente..são sobre aquelas águas meio esverdeadas  sob um céu nublado que eu encontrei a famosa Ponte Milvio...



   Para se chegar na Ponte Milvio, é preciso andar uma boa parte do trajeto a pé...Descendo na Piazza del Popolo, na extremidade norte da praça, em frente ao portão, começa a legendária estrada romana imperial, a Via Flamínia, ela ainda é conservada hoje em dia, apesar de que em nada lembra que aquilo era uma estrada antiga....mas o traçado reto ainda está lá...



  Eu percorri todo esse trajeto embaixo de chuva...Era meu último dia em Roma, e eu ainda queria ver a Ponte Milvio antes de ir embora...







  Mas chegando lá, eu percebi rapidamente que a Ponte estava muito diferente de como eu a imaginava...








   
   Eu imaginava um lugar cheio de cadeados, repleto de casaizinhos românticos, gente declarando poemas, manifestações desarrazoadas de paixão... 

    Não, sei, de alguma forma eu esperava nada menos do que um casal se beijando à la Doisneau e a sua famosíssima foto  le Baiser de l´Hotel de Ville...



 Mas o que eu encontrei foi uma ponte “normal”, com pessoas atravessando rapidamente a ponte, com o rosto sonolento e fechado, à caminho do trabalho a passos largos...





   Ainda por cima, o clima em nada ajudava. Era uma manhã feia, nublada, o vento cortava o rosto com respingos de chuva...tudo parecia silencioso e melancólico naquela parte mais ao norte de Roma, fora da agitação dos turistas...









    Se eu estivesse naquela mesma hora, na Fontana de Trevi, por exemplo, nem iria perceber, se eu estivesse cercado de gente, nem ia notar nada, não ficaria tão evidente..

    Mas àquela hora ,sozinho,  umas 9 horas da manhã de um dia de semana, a Ponte Milvio me pareceu tristemente solitária...lá não havia nenhum casal apaixonado, não...só a chuvinha gelada, e a ponte vazia....


 CADÊ OS CADEADOS?

    E o pior sabe o que foi? Os cadeados? Mas onde diabos estão os cadeados? Eu imaginava uma ponte repleta de cadeados, até ficar toda abarrotada, cheia de varais, ou com o peso dos cadeados vergando os lampeões. Mas não..



   Eu tive o azar de aparecer por lá, exatamente depois que a prefeitura fez uma dessas “limpas” e retirou tudo de lá..a ponte estava lisinha, sem os famosos cadeados...nãaaaaao, não pode ser!!!



   A Ponte Milvio, por um instante, sem aqueles cadeados, me pareceu meio “pelada”, desprovida de charme...somente uma ponte antiga e velha, de onde se sussurram histórias perdidas...


    Cadeados mesmo, você só via aqui e ali, no detalhe....era precisa prestar bem atenção para achar um cadeadozinho por ali...



     Não, os misteriosos cadeados da Ponte Milvio não estavam lá. E por mais que eu soubesse que de vez em quando eles limpam tudo, que logo os cadeados iriam brotar novamente ao longo da ponte, não deixou de ser um pouco esquisito (e decepcionante, é verdade) ver aquela ponte assim, com um cadeadozinho aqui, outro ali, tudo muito muchocho... (até em cima da Ponte Vecchio em Florença eu vi mais cadeados que na célebre Ponte Milvio)...Por um momento eu pensei comigo..: "Será que estou no lugar certo? Será que o amor dos casais morreu e ninguém mais coloca cadeados ali?"

    Se você não presta atenção nos lampiões, nem repararia que lá no alto, tem uns cadeadozinhos....Mas mesmo assim, é bem diferente daqueles lampiões abarrotados de correntes e cadeados que eu já havia visto em fotos..






    Mas, tirando o susto e a decepção inicial, eu me pus a andar pela ponte...olhar os grafitis espalhados pela ponte inteira. Subitamente comecei a mudar a expressão fechada..

  Aos poucos, você começa a ler os recadinhos, promessas de amor, coraçãozinhos, nomes...percebe quantas vidas não estão ali, quantas histórias, quantas histórias felizes que deram certo ou tornaram-se em decepção, mas assim é a vida, não é? Ás vezes dá certo, às vezes não...quem sabe o que aconteceu?

  Eu queria saber no que deu, cada pedaçinho de biografia amorosa, cada fragmento de uma história de vida, que eu encontrei ali...






    Tudo está registrado ali, cada pichacaçãozinha, cada grafitti, cada declaração de amor, faz parte de um momento ínfimo de uma história de um casal...de duas pessoas que se amam. É emocionante percorrer toda a ponte, e ir vendo e admirando aqueles graffitis, já meio apagados, um pequeno compêndio de Histórias de Amor, presentes, passadas e ainda por vir... Foi assim que eu percebi, mesmo naquele dia frio, melancólico, chuvoso; mesmo que aquela ponte esteja vazia, sem nenhum casalzinho romântico (seria estranho que isso acontecesse às 9 horas da manhã?), aquela ainda era, a ponte mais romântica do mundo...


    Naquele instante, parado em cima da Ponte Milvio, com o vento gelado na face, eu fui acometido por um pensamento: se a Ponte Milvio nos emociona, mesmo no dia mais feio e cinzento, mesmo que ela esteja praticamente "pelada" de cadeados, é porque ela é algo muito importante na vida de duas pessoas que se dispuseram a ir até o cú do caralho para jurar o seu amor...Se a Ponte Milvio é a mais romântica de todas é porque ela já assistiu a diversas juras e declarações de amor, naquele momento mais sincero de todos: é aquela hora que alguém agradece a outra pessoa, por entrar em sua vida e fazer parte dela...



   Não tem como explicar, mas assim como lugares lúbugres contém uma carga negativa, a Ponte Milvio também é assim, capaz de emanar luz e confiança e bons sentimentos até nos dias mais fechados e cinzentos.. A Ponte Milvio é um desses lugares especiais...até quem não está apaixonado(a) vai lá dar uma bizóiada...


   Não pude deixar de pensar em como seria aquele lugar no finalzinho da tarde, num dia quente e ensolarado..muito antes daqueles homens, com seus corações empedernidos,   sem compaixão, sem amor no corção, com seus alicates e suas ferramentas, levarem tudo para longe dali....

Ah, ai sim haveria casais apaixonados, cadeados sendo colocados, e o clic dos cadeados ressoando às margens do Rio Tibre..  uma cena linda de se ver...



   Quase na hora de ir embora, um casal, já não tão jovem (acima dos 30 supostamente) apareceu por lá..eles pareceram não ligar pra nada ao seu redor...e por um átimo, eu consegui vislumbrar o que esta ponte representa para pessoas apaixonadas...

   Tudo estava feio ali, nublado,...mas era só olhar para eles que a felicidade estava estampada em seus rostos... Seria aquele momento poético, como na música da Deolinda em que um simples olhar enche o mundo de esperança e faz tudo ficar bonito. Diz ela,  "de um esgoto empestado saiu perfumado, um rio de nenúfares em flor..."






    Mas ali, naquele dia, nada haver...Parecia tudo tão desencaixado, fora dos eixos, fora do lugar...era melhor eu ir embora.

  Foi um momento com sentimentos conflitantes. A decepção de ver a suposta ponte mais romântica do mundo no meio de um frio de rachar e uma chuvinha gelada, sem casal nenhum, sem cadeados...misturada com o desejo de ficar ali em Roma por mais um tempo...Ali, um pouco triste, eu me despedi de Roma...



    Nos meus últimos instantes em Roma, na última manhã, eu fui conhecer a Ponte Milvio, e ela era muito diferente do que eu pensava, naquele dia, naquele momento, nada havia de romântico naquele lugar...Mas Roma foi assim, quando eu cheguei lá, ela me recebeu com um Céu Azulzinho Infinito...e dias quentes e maravilhosas. Mas nunca subestime Roma, ela é uma velha senhora de temperamente forte. 
    Logo no último dia, quando eu já estava triste por ir embora, Roma me brindou com um aguaceiro e uma chuva do caralho...não foi nada elegante minha despedida de Roma, estava chovendo, estava frio, mas mesmo assim, nem por isso eu gosto menos de Roma...Arrivederci, Roma! Minha viagem (e meus posts sobre a Itália) estão chegando ao fim.






2 comentários:

flavia disse...

Vou procurar esse filme por aqui,Uau,que aula você deu,muito interessante,aprendi muito,obrigada,Flávia.

Anônimo disse...

A ponte tem uma importância histórica única para se mais exato 2200 anos e foi palco da batalha que mudou um império e a civilização ocidental. não vejo problemas com cartões de namoro, ou lembrancinhas mas cadeados, e eram milhares de cadeados tem ideia do peso de milhares de cadeados, é lamentável a remoção mais seria imperdoável a destruição de um monumento tão significativo e um dos mais preservados monumentos da arquitetura romana. Então eu como historiador apoio a iniciativa da prefeitura.

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